sexta-feira, 10 de abril de 2015

A noite mais longa do mundo

Vamos fazer desta noite
A noite mais longa do mundo 
Vamos sofrer, esta noite
Uma vida inteira por segundo
A felicidade não existe
A felicidade não existe
Ela não existe...

Saudamentos. Estes são os versos que uma moça e a família Mansur montaram para a noite do dia 6 de fevereiro de 2015. Disse família Mansur? Pluma de novo?! Sim, Pluma de novo. Tem gente que gosta de viajar de Itapemirim, de Brasil Sul, de Garcia... Gosto de viajar com a Pluma, e pago caro para poder curtir um possante bem velho. Não foi o que aconteceu naquela noite. Embora não fosse o maior dos problemas, foi um dos.

Eu poderia (e tinha planejado, inclusive) fazer uma postagem elogiosa, alegre, carregada de bons sentimentos. Porém, sinto que ficaria uma merda. Mesmo porque não tinha o que falar sobre o objeto elogiado. Chego a dizer que elogios são completamente dispensáveis.

   Isso quer dizer que eu posso ir lá embaixo e falar um monte de bosta sobre o blog, piá?

Pode. 

Visual "nego véio": retrovisores e rodas comuns em um modelo imponente.

É sabido e notório como gosto da Pluma, já que é a terceira postagem sobre ela    não me recordo de outra empresa que tenha aparecido aqui tantas vezes. A mesma linha, a mesma rota, só que não no mesmo carro. Os costumeiros são como este ou este. O 7214 é de uma parcela ínfima da frota que está liberada para escapulir deste país (linhas para Santiago, Asunción e Buenos Aires). Quando não vai no estrangeiro, vai a Uruguaiana, na contramão do canto alegretense. Ou seja: nunca me viria à cabeça a possibilidade de embolsar 193 reais e andar em uma coisa dessa.

Disse 193 reais? De Aparecida a Cascavel, o preço é esse. Bem próximo do cobrado pela Kaiowa. Há outro horário, a 140 reais, semi-direto, que chega na capital do Oeste no meio da madrugada. Sinto que deveria ter arriscado testá-lo.

Talvez tenham rogado praga sobre mim. Não avisei praticamente ninguém que estaria voltando ao Paraná naquele dia. Certamente alguém descobriu, ficou chateado, ligou na garagem e pediu para trocar o 3434 por isso aí. Também ligou pra moça e entregou todo o jogo.

Aliás, a moça em questão me desejou boa viagem no meio daquela noite. Duas observações: (1) ela não tinha idéia de como eu me sentia dentro daquele Busscar e (2) o que se seguiu depois, de Cascavel a Pato Branco, foi o papeldiso da postagem passada. Isto é, foi como se ela tivesse me desejado sorte antes de subir no palco.

Que moça? Que jogo? Por que falar sobre ela? Eu tinha a intenção de lhe contar, mas ela foi tão boa comigo que acredito não valer a pena falar sobre ela aqui. Seria nefasto da minha parte. Além do mais, posso acabar entregando o ouro para o próximo candidato. Sendo assim, desta maneira, alheia às mensagens trocadas, apenas a análise do carro segue sendo documentada.

Poltronas confortáveis o suficiente para se dormir (até demais) na viagem.

A alegria de todos os outros passageiros parecia a minha desgraça. Veículo ano 2008 tem na concorrência, com mais espaço (os Kaiowa têm 42 lugares, contra 46 dos Pluma), água gelada no bar e a emoção do canto da sereia, que também já foi documentado aqui. Pluma lembra GV, ainda mais sabendo que a temporada ainda não tinha acabado    acabaria duas semanas depois. Eles estavam guardados aos montes na garagem de São Paulo; em seus lugares, uma leva de alugados. Entre os quais dois Primar que, dizem, vão receber a cara vermelha.

Se, por um lado, a moça foi legal comigo, a Pluma não: o 7214 chegou 1h40 depois do previsto em Aparecida, ato impensável para os camisas rosas. Para chegar até São José dos Campos, mais 1h30 (empresas normais gastam 1 hora). Chegamos em São Paulo já somando mais de 3 horas de atraso. Foi uma das gotas d'água. Com tamanha letargia, tive tempo demais para perceber o que iria incomodar durante metade da viagem (a outra metade foi dormindo): acabamento destruído nos maleiros de salão, uma sujeira esquecida nas poltronas e o fato de que o K380 não é tão imponente assim.

Alguma vantagem em ser Busscar: a poltrona não é exatamente firme, também não é mole: fica na medida certa da soneca, mesmo para quem dorme de cinto passado. Acordei algumas vezes na madrugada e no começo da manhã, mas nada me impediu de ter chegado a Cascavel completamente descansado. Ah, claro, Busscar e ar condicionado não se criam    isso porque a Climabuss era do mesmo grupo    e, com isso, o bafo quente no fundo da carroceria virou patrocínio para a sonolência.

Não sei se por ser Busscar, mas esta foi a primeira vez que entrei em um banheiro com defeito em todas as viagens que já fiz com a empresa. Cada vez que fosse necessário usá-lo, pegava-se um copo d'água no bar. Sem contar as trincas no acabamento e uns rebites (o pino de metal, não a droga) próximos ao vaso.

46 lugares bem espaçados e acabamento destruído nos maleiros de salão.

Entre a conversa com a moça e o comportamento do Jum Buss, correram passageiros com histórias tragicômicas. Destaque para o pequeno senhor carioca que tinha que "descobrir" uma cidade nas proximidades de Guarapuava e se viu numa enrascada quando eu lhe disse que lá nevava    e neva mesmo    e a mãe de atriz (figurante do hospital São Marcos, de "Amor à Vida") que odeia o sotaque do paranaense, achou que eu fosse gaúcho e mesmo assim rendeu altos papos sobre teatro, televisão, escolas de atuação e relações afetivas (a razão pela qual a atriz em questão largou tudo).

Descarregado esse pessoal e todo o resto em Guarapuava, me vi com mais 3 passageiros e outro motorista da Pluma. Novidade, nunca vi viajarem em dois no trecho paranaense da linha. Lá foi finalmente constatado que o K380 não tem mesmo aquele vigor do lendário K124, mesmo com mais potência e torque. Lembrando que boa parte do trajeto a partir dali é plano, com muitas curvas e incidentes    pista em obras, automóveis quebrados, etc    que acabaram evidenciando que o problema começa no começo, porque ele já é mais lerdo desde a arrancada.

No trecho que está no áudio, que é a partir da entrada em Laranjeiras do Sul, nota-se um motor que grita muito para fazer o mínimo e, como o isolamento acústico do salão é absurdamente eficiente, ninguém fica sabendo de nada. Chegar no resultado final dependeu do grande trabalho do GoldWave. Por increça que parível, o sucessor não herdou nem a vontade de gritar para todo mundo que está apaixonado, coisa que o 124 faz lindamente bem.

---------------- BAIXE O ÁUDIO DO SCANIA K380 AQUI ----------------

E é isso. O ônibus mais novo da empresa é, invariavelmente, o menos emocionante. O Pluma mais careta no qual já viajei. O fator moça já seria suficiente para que eu me embebedasse de tristeza. O fator 7214 reforçou a vontade. Ainda não me embebedei. Vou guardar o porre homérico para o dia em que eu puder experimentar um veículo realmente zero km da Pluma. Ou então quando for uma outra moça, e ela não for bacana comigo. Afinal, para beber até cair é necessário pelo menos um excelente péssimo motivo.

E até a próxima.