quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Celta preto

Saudamentos, caro leitor. É com uma senhora cara de bunda que venho, entre outras coisas, justificar os meses em que o blog ficou sem qualquer postagem. Vamos lá: não interessa! Querendo ou não, tenho vida acadêmica e profissional — a social que se lasque — e, aliás, a postagem de hoje tem um pouco da carga que essa vida me trouxe no período.

De antemão pedindo desculpas públicas à turma do Ônibus Mineiro, blog cujo qual fui um muso inspirador e não escrevi uma postagem para eles (sim, pediram minha palavra lá e não consegui atendê-los).  

Como morador de Pato Branco há quase quatro anos, cidade — melhor dizendo, prefeitura — que tem enchido o peito com os ranqueamentos das revistas ISTOÉ e EXAME, jamais me passaria pela cabeça uma greve no transporte público. Ué, cidade moderna, de povo trabalhador e com boa qualidade de vida... Os ônibus devem ser os melhores já vistos em todo o mundo, os ordenados gordos de pilotos e cobradores pagos em dia, os serviços de primeira linha e com horários para jogar aos pombos...

É, caro leitor... Andaram mentirando algum dizer por aí.

Vou detalhar mais adiante, mas preciso contar antes sobre o sonho de Ícaro do prefeito Augustinho Zucchi (PDT).
 
Pintura padrão para o sistema de transporte urbano a partir do ano que vem (?).

Um transporte com cara de primeiro mundo. Em resumo, o TUPA — Transporte urbano de Pato Branco — é exatamente isso. Um sistema inédito onde as linhas têm integração total, terminais físicos para fazer isso, rastreamento de frota e (pasme) ar condicionado.

A administração municipal já deveria ter feito isso há pelo menos um ano, e pelo menos os ônibus deveriam estar na rua. Explico: em 2014, conversando com um motorista da LP Transporte Coletivo, ele havia me adiantado que em junho daquele ano correria um processo licitatório novo, já que as concessões da LP e da Trans Angelo, as duas empresas que fazem o serviço, acabariam em maio de 2015 — de 1995, duas viações, 20 anos para desbravar uma Pato Branco com metade da demanda atual.

A gabelada quase custou a cabeça do prefeito, as duas viações ainda rodam sem poder e sem direito à renovação de contrato e a licitação foi, enfim, anunciada depois de um estudo que mapeou as relações de oferta e demanda de transporte.

Houve uma discussão acerca disso antes do lançamento do estudo e do edital, aberta ao público, à qual não compareci. Mas em conversa com o operador de som do teatro municipal, que cobriu o evento, ele foi bem enfático ao dizer que o ônibus não estava sendo levado a sério no debate, sendo tratado como opção ao carro particular — o que é de se esperar em um lugar onde a diversão do fim de semana é passear de automóvel pra cima e pra baixo. Enfim: as 22 "linhas" que atendiam menos da metade dos bairros do município davam e sobravam, quando isso era uma mentira deslavada, zé.

O estudo foi feito e, com a demanda verdadeira em mãos, as 22 linhas se tornariam 33, com horários e até veículos de escala (!). Apresentado com a padronização visual (ilustração acima) no fim de setembro, foi a abertura da porteira para os interessados em operar o novo serviço.

Primeira data para a divulgação do resultado: 29 de outubro.

Segunda data para a mesma coisa: 04 de dezembro.

Terceira data: 07 de janeiro.

Acho que você já entendeu o que aconteceu. Se tiver uma viação e quiser colaborar comigo e com outros 12 mil usuários, pode consultar o edital e todo o resto diretamente no site da prefeitura clicando aqui. Se você for representante da família Gulin, desconsidere meu pedido. Pelo amor do seu deus.

Iveco 170S28 que fez teste na LP e na Trans Angelo em outubro deste ano.

30 de setembro de 2015. Brotam nos grupos pato-branquenses as informações sobre uma greve que começaria já no dia seguinte e enfiaria no rabo dos 12 mil passageiros do transporte público. As articulações começaram: quem tinha bicicleta se preparava, quem tinha carro particular oferecia lugar. Metade da turma conseguiria dar um jeito de viver sem os ônibus. Essa metade é a dos estudantes e servidores da UTFPR, à qual estou incluído.

1 de outubro de 2015. Uma rotina que lembrava minha vida em Aparecida, na qual se ia até a parada de ônibus sem saber se ia chegar de ônibus ou de automóvel (táxi-lotação) ao destino. As linhas que funcionavam contavam com metade da frota — ou dos horários, quando era só um carro na escala normal — e horários embaralhados de propósito para dar a sensação de greve geral.

Nunca andei tanto de Celta na minha vida. Inclusive, céu tá preto, assim como o Celta preto também na cabeça dos irmãos Vezaro, donos das viações (Rodrigo, da LP; Darci, da Trans Angelo).

No entanto, dentro das garagens parecia não estar acontecendo nada — mesmo porque os grevistas ficavam do lado de fora, em barracas dadas pelo sindicato dos rodoviários. Prova disso é o teste sem passageiros do Iveco 170S28 (foto acima), feito primeiro na LP e depois na Trans Angelo, cujo resultado ainda é desconhecido, e a plotagem de um Gran Via para a campanha de conscientização sobre o câncer de mama (foto abaixo), um dos poucos veículos da frota regular que circulou em todos os 10 dias úteis — 14, no totalde greve.
 
Carro plotado com a campanha sobre o câncer de mama e que ainda hoje se encontra assim.

Passageiros desinformados em relação à situação. Mal sabiam por que aquilo estava acontecendo, mesmo com o principal jornal impresso em Pato Branco soltando notas quase todos os dias. Para eles, a greve era represália à abertura da licitação no mês anterior e ao congelamento da tarifa (que é de R$ 2.60 no cartão — e R$ 2.70 no dinheiro — há dois anos). A impressão de que os Vezaro eram dois carrascos que queriam tirar até o sangue dos usuários para lucrar, visão que aliás é a do público sobre donos de viação em qualquer lugar do país, infelizmente.

O que estava dentro dos jornais e ninguém leu era a questão da dupla função, que é extremamente comum e praticável pois grande parte dos passageiros usa cartão, e o reajuste salarial, no qual o sindicato dos rodoviários queria um aumento maior que o que a empresa podia oferecer (10 contra 8.5%) e maior participação nos lucros.

De um lado, os Vezaro admitiam publicamente que não podiam oferecer reajustes a esses níveis com a situação atual, pois a tarifa congelou e já está defasada — e os preços de pneus, de outras peças e (principalmente) do óleo diesel dispararam nesse intervalo de tempo;

De outro, o sindicato batendo o pé e, mesmo tendo aceito uma redução à proposta inicial, não cedeu e não baixou aos níveis possíveis pelas viações e manteve o piquete firme por 14 dias;

No meio, o prefeito Zucchi se impondo e garantindo que faria o possível e o impossível para manter o preço do embarque nesse patamar (aliás, esqueci de falar, esse também é um mote dele para o TUPA), lembrando dos subsídios que o poder público dá para ajudar a manutenção do sistema — já que metade dos passageiros é gratuidade ou meio-passe.

Circular Guarani: a única linha com funcionamento regular durante toda a greve.
 
Enquanto isso, quem não conseguia carona e não tinha bicicleta — ou simplesmente não podia chegar suado no destino — era obrigado a esperar. por vezes, o caminho feito a pé tomava menos tempo que o esperando ônibus na parada. Pegar outra linha e descer em algum ponto estratégico também foi alternativa, principalmente com os Trans Angelo: com horários mais regulares que os LP, era mais fácil encontrá-los na rua. Aliás, o circular Guarani (que desde 2013 não passa mais na Guarani, rua conhecidíssima do centro comercial) foi a única linha que se manteve normal em meio ao furdúncio.

Foram duas semanas do cão. Pessoas que passaram a vida toda em Pato Branco disseram que nunca, até então, havia acontecido uma greve desse tipo. Ela aconteceu em um momento oportuno, com o fim da concessão das empresas, um número de passageiros crescente — a cidade tornou-se universitária e muitos dos estudantes não têm carro particular — e a onda de evolução que tomou forma com os índices de qualidade de vida.

Cidade moderna com um sistema antigo e frota igualmente: embora carros de 1996 e 1997 não rodem mais oficialmente, vez e outra aparece um de 1994. E ninguém liga, afinal são veículos limpos e que não quebram em serviço. Não se atrasariam também, se o viário da cidade não fosse tão estreito e/ou o uso do automóvel para trabalhar não fosse tão comum (talvez deixe de ser, quem sabe alguns anos depois da implementação do TUPA).

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Resumindo em uma frase, é isso: o cara que defende viação e não gosta de gente pegou greve e sentiu a treta na pele. E agora, José?!

Antes de terminar, acabo de lembrar que já falei sobre a Trans Angelo aqui.
 
E até a próxima.