domingo, 7 de setembro de 2014

O frio da solidão

Saudamentos, meu caro. Desta vez, a história é um pouco diferente.

Tem-se visto muitos casos de suicídio, normalmente oriundos de depressão profunda causada por bullying ou outro dos milhões de possíveis fatores. Depressão tem, como uma de suas características, a tristeza profunda e quase insolúvel.

   Tá, piá, mas por que tá falando de tristeza? Vai se matar?! Não, peraí, segura na minha mão aqui, ó!

Esse circuito foi para desenhar o sentimento que permeou a viagem no carro desta postagem. Porém, o pensamento acabou indo longe muito antes    e até durante    do bate-volta que originou o áudio que segue anexo, e me fez divagar sobre a vida.

Aconteceu no começo da noite; ele ficou ali até, pelo menos, o início da madrugada.

Sentimento de golpe, que pode ser expressado tranquilamente por um acidente observado àquela noite: um Honda Fit cruzou a sinaleira, e o Papelpolo Torino não teve tempo e nem espaço hábeis para uma frenagem. Mas vamos lá:

28 de junho de 2014. Era dia de jogo do Brasil, parecia loucura viajar nele    já o fiz outra vez, portanto, mais que deduzia isso    porém, na verdade, nem era tanto assim. A cidade só parou na hora de a seleção entrar em campo, contra o Chile. Quer dizer, nem tanto: estava acompanhado de dois parceiros e mais alguns passageiros a bordo do 3037, o cobrador anunciou o gol do estrangeiro e todo mundo respondeu assim. E passar por aquela fila de Pluss e Torino estacionados, ver todo aquele pessoal de camisa e calça verde, dividido em dois quiosques da rodoviária velha, afim de ver o (que poderia ser o) fiasco canarinho, assim que o nosso passeio tinha acabado. Aquele passeio.

OBS: camisa e calça verde compõem o uniforme da empresa, não o da torcida.

O pensamento veio depois, bem depois, a partir do momento em que me dei por só. Estava com um cartão de passe emprestado, esperando os primeiros horários depois daquela palhaçada que se estendeu até os pênaltis. Passaram-se uma viagem em uma jamanta, algumas ligações e uma sensação atordoante. Pronto: estava sem absolutamente nada para fazer no "vilarejo" de São José dos Campos. Até mais ou menos meia-noite.

Peguei o primeiro ônibus que me lembrei que existia; sem saber, ao menos, se a linha tinha ponto final. Era a 323, em um dos Torino 2013. Dava também para ter um drops do 1721 novo, tendo em vista que só tinha tido impressões ruins dele, até então. Rodou relativamente vazio, mesmo tendo passado    aliás, a volta no entorno é enorme    pelo Shopping Colinas. Até pensei em descer e entrar lá para dar uma conferida, mas... O que se faz em um shopping?

Minutos depois, surge o Vale Sul. Mas o que se faz em um shopping, afinal?!

Fomos seguindo, recebendo e desovando passageiros distribuídos em casais e famílias. Um ambiente de programa popular, que desembocou em um lugar góspel: o Campo dos Alemães (ou, pelo menos, a região cruzada pelo itinerário da 323) é recheado de igrejas evangélicas. Destoava um pouco por ser sábado, o que resultava em vários grupos de amigos de pele escura bebendo cerveja, automóveis mandando ver no funk e moças vestidas para dar. 

As primeiras daquela noite.

Carro da linha 323 durante o dia.

As demais só foram aparecer na terceira e última viagem. Vamos à segunda: a 317, que vai do Campo dos Alemães, em nome do senhor Jesus, até a rodoviária nova, amém?!    sim, a 323 tem ponto final e fiquei cerca de 20 minutos parado, observando tudo aquilo lá. Aparece o 3172, que parecia ter vindo de uma das melhores fornadas de Torino da história deste país. 

Diz a lenda que isso acontece por quase toda a carroceria ser de metal: na contramão das encomendas de empresas normais, piso e paredes internas são de alumínio (no lugar de taraflex e fórmica, respectivamente). O exemplar em questão ainda tinha monitores gigantes que executavam um comercial de, aproximadamente, meio minuto. Não me recordo do anunciante, contudo, não dava para esquecer que tais monitores estavam firmes.

Como não haviam muitos passageiros, me dobrei à análise do 1721 que havia esquecido de fazer no outro, por delírio emocional. E me lembrei que tanto o primeiro quanto aquele alcançavam altas velocidades, com giro baixo e trocas seqüenciais de marcha, muito rapidamente    em suma, o grande barato do OF-1722 tinha desaparecido.

Todavia, fui informado, posteriormente, sobre a política de condução econômica adotada no Expresso Maringá. Não opera na base do corte de rotação, e sim no incentivo financeiro: o motorista que obtiver melhores números de bebedeira (km/l) recebe prêmios em dinheiro. Portanto, da mesma forma que os operadores dos O-500 têm liberdade de encher o pé, quem brinca com o blutecoteco 5 pode tranquilamente voar sem esticar, para (correr o risco de) faturar algum além do salário normal    que fica próximo dos dois mil reais.

Até havia me esquecido que estava sozinho, só que no fim da avenida Andrômeda tinha um Vale Sul. Ou teria um Vale Sul no fim da Andrômeda?! O importante é que não sei, ainda, o que diabos se faz em um shopping.


Depois de chegar à rodoviária nova e comer um baratississississississíssimo, ver mais gente chegando e saindo, decidi fazer o mesmo roteiro que havia feito antes no 3037. Já eram 22h30 e lá ia eu, no da foto aí em cima, partindo da rodoviária velha, visitar de novo o que seria o bairro mais bonito da cidade. 

A linha 315 cruza quase metade da área central, vai parar no Anel Viário, faz alguns retornos e sai na Andrômeda. De novo, de cara com o Vale Sul. Naquela parada foi que os 99 passageiros    37 sentados, 62 em pé    de lotação conseguiram se cumprir, efetivamente. Era horário de fechamento do shopping; por isso, o padron de 13 metros pareceu pequeno. Tinha gente de todo naipe: de funcionário de loja a andante, de preta cabeluda a albina, de headbanger a... 

   Mas piá, esse blog é pra falar de gente ou de ônibus?!

O que mostrava que a noite estava longe de acabar. Incluindo para as moças vestidas para dar, que, mesmo com seus namorados "boys" (talvez eles até preferissem assim), não faziam a menor cerimônia ao expor quase toda a extensão de suas pernas para o resto da platéia.

Tá, tudo isso e eu não sei até agora o que se faz em um shopping.

Passados alguns minutos, deixamos a Andrômeda para entrar em um ambiente bucólico, de estrada vicinal. No trecho, há rochedos e bosques. Ao chegar no bairro, o grande lago que o batiza    Interlagos. Ali, já em torno de 23h20, o 3038 começou seu trajeto de volta (a 315 é circular) com... 1 passageiro. Eu que, pra não voltar a pensar na vida, comecei a prestar atenção no carro.

Mas ninguém (em condições normais) gasta 15 minutos prestando atenção no comportamento de um objeto. Enquanto o frio da solidão corria lá fora, do lado de dentro tinha-se o calor do desreguladíssimo OM906, que berrava fino e com o grave "saindo pela tangente". A desgraça ficava completa com uma carroceria que se batia, reflexo do descaso de manutenção que a própria empresa teve que engolir, por não conseguir ter frota reserva    a prefeitura de São José dos Campos sempre "inventava" linha depois dos recálculos de frota. Ou seja, os Pluss O500 eram revisados à medida que isso dava pra ser feito; portanto, o 3038 fazia parte dos azarados. O 3037, não.

------------------------- BAIXE O ÁUDIO DO O-500 M AQUI -------------------------

Ao longo daqueles 15 minutos, comecei a me dar conta de que um momento como aquele nada mais é que o resumo de uma vida: não importa quantos amigos e nem quão próximos estiveram; isso não vai adiantar e, num dia desses... Numa noite dessas... Você vai se ver só.

E também me dei conta de outra coisa: preciso ver qual é o meu problema, porque ainda hoje, meses depois, não sei que caralhas se faz em um shopping.

E até a próxima.