quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O anti-herói

Tenho saudade dos meus 16 anos, época em que eu tinha minhas convicções e nada podia fazê-las ruir. Hoje, tenho a impressão de que nada é tão bom ou ruim quanto parece ser. Não posso considerar nada como evoluído ou retrocedido. Sinto-me perdendo o poder de opinar.

Mas ainda não perdi. Saudamentos, caro leitor. Isto que você leu acima é para abrir os comentários sobre um exemplar do Marcopolo Torino, que fora vastamente escrachado, tempos atrás, aqui mesmo. No começo de 2009, cheguei a dizer que havia gostado do mesmo; me arrependi, desarrependi, e hoje não sei mais o que dizer a respeito. Minha relação com o modelo é conflituosa desde que o conheci, mas enfim.

O desta postagem é digno de uma comédia pastelão, patrocinada por Scania do Brasil e AHJ Implementos Rodoviários (uma espécie de "Tutto"), a empresa responsável por fazer o trucão-de-seis no F250; estrelada pelo Expresso Maringá e os quatro operadores oficiais do carro (dois motoristas e dois cobradores), e assistida pelas milhares de pessoas que circulam com a linha 330 num dia desses, ou numa noite dessas. Você sai pela sua rua, pela sua cidade, ou, sei lá... Pela sua vida. Quando de repente, por detrás de uma árvore, apareço eu.


Fazendo o retorno no ponto final da linha, no Campo dos Alemães.

Vamos aos fatos: ele apareceu em outubro de 2013 com a missão de, se aprovado, ser o parâmetro da compra substitutiva aos chamados "caveirões". Os mesmos 15 metros e a possibilidade de carregar mais de 101 corpos    a capacidade dos K270    com a praticidade do motor dianteiro e uma excelente desculpa para mandar o piso baixo à merda. O sonho foi minado tão depressa quanto os buseiros gostariam: a homologação da adaptação o segurou (ele estava previsto para julho daquele ano) e, posteriormente, o eixo direcional apresentou falhas (tanto neste quanto no da Piracicabreda). E lá foi ele de volta para a AHJ, conforme explicação do encarregado da empresa, Adriano Lopes (ver mais aqui):

"(...) está retornando para Caxias do Sul, para um reparo no eixo direcional, que está com problemas desde quando chegou. Foram feitas várias tentativas de sanar o problema por aqui, mas infelizmente sem êxito."

Como se já não fosse o suficiente ele ter ficado sem rodar nas férias    a 330 opera com ônibus convencionais nesse período    e o mês parado à força no RS, depois de voltar e passar mais alguns dias levando boneco, foi a vez da barra de direção. E, então, perdeu mais algumas semanas na garagem, no aguardo de manutenção.

No entanto, quando voltou... Foi para ficar. Depois de resolvido um outro problema que ninguém ficou sabendo: segundo um dos dois motoristas oficiais, a suspensão também passou por ajustes, indo do excesso de firmeza a uma maciez impensável para um dianteiro.

Absoluto... Mas também nem tanto assim. Se, por um lado, a mecânica se recuperou de uma devastação engenhosa, a carroceria não teve tempo suficiente para se acertar.

Um adendo: os pedidos de Adriano não foram atendidos quanto à fabricação deste carro. Ele costuma exigir um padrão de qualidade, que se reflete na excelente construção da maioria dos Torino de sua frota    rasguei elogios sobre um do último lote nesta postagem. Gurizada botou cachaça no mate enquanto o 3004 era fabricado, e me convenceu de que comprar essa joça, hoje em dia, ainda é loteria: corre-se o risco de levar uma merda para a garagem.


Aguardando horário de saída.

Lembrando que não se fabrica mais Torino em Caxias do Sul.

Maldição audível nas três viagens que fiz nele, acompanhado de Gabriel Alves, do Estação Regional. O trecho entre a via de acesso ao Campo dos Alemães e o ponto final da linha ainda estava sendo recapeado e, com isso, pegamos um trecho recheado de buracos. Passando por ali, era notável como a suspensão estava realmente macia (quem já passeou de F94 sabe do que falo); todavia, um quebra-quebra de balaústres e outras partes, e a impressão de que o salão de passageiros tinha se transformado em um campo de batalha. A cada buraco, um tiro    o som era similar a um mas, na verdade, era o elevador que não se continha mais. O próprio motorista disse estar cansado dele, e iria pedir a instalação de uma tala de borracha para abafar as porradas.

Alguém se lembra quando falei sobre condução econômica? Aqui também se aplicou, sem tirar o brilho do desempenho dos cinco canecos suecos. Rotações médias, força bem distribuída    não sobe parede com a segunda marcha como o F113; porém, não passa vergonha    e a média de 2.6 km/l, que é próxima ao que o protótipo de 13 metros obteve em testes pela SOUL, no RS. Lembrando que este tinha capacidade máxima de 18 toneladas (o 3004 aguenta 24).

Uma coisa: ele é silencioso demais. No áudio original, quase não se ouvia o motor: precisei, na edição, dar um aumento nos agudos e graves. Quem está do lado de fora ouve melhor o ronco; periga-se dizer que ele é mais silencioso que o K270    que já passou por aqui. O que você vai ouvir é uma operação tranquila, com as marchas sendo esticadas onde a via tinha espaço para desenvolver velocidade. Fácil, se lembrado que o motorista é um dos mesmos que dirigiu o articulado e o híbrido que foram colocados à prova na cidade em 2012.



Acabo de me lembrar de uma passagem do dia anterior: eu já estava em São José dos Campos, iria passar a noite lá. Na internet, fui surpreendido pela dona desta galeria. Conversamos cerca de uma hora, contei a ela sobre este carro, que só tinham dois como esse no Brasil e bébébé. Cheguei a pensar comigo: vai que, numa dessas, surge um trem desse passeando por lá (São Luiz, Maranhão)? 

Só que depois, pensei de novo. E de novo. Talvez não vá ter um trem desse passeando por lá; vão ser só esses dois para nunca mais. O próprio Expresso Maringá já adiantou que não apela mais para o F250 pastelão da AHL. E ninguém mais será tão tatu de fazer algo do tipo.

E até a próxima.