quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O anti-herói

Tenho saudade dos meus 16 anos, época em que eu tinha minhas convicções e nada podia fazê-las ruir. Hoje, tenho a impressão de que nada é tão bom ou ruim quanto parece ser. Não posso considerar nada como evoluído ou retrocedido. Sinto-me perdendo o poder de opinar.

Mas ainda não perdi. Saudamentos, caro leitor. Isto que você leu acima é para abrir os comentários sobre um exemplar do Marcopolo Torino, que fora vastamente escrachado, tempos atrás, aqui mesmo. No começo de 2009, cheguei a dizer que havia gostado do mesmo; me arrependi, desarrependi, e hoje não sei mais o que dizer a respeito. Minha relação com o modelo é conflituosa desde que o conheci, mas enfim.

O desta postagem é digno de uma comédia pastelão, patrocinada por Scania do Brasil e AHJ Implementos Rodoviários (uma espécie de "Tutto"), a empresa responsável por fazer o trucão-de-seis no F250; estrelada pelo Expresso Maringá e os quatro operadores oficiais do carro (dois motoristas e dois cobradores), e assistida pelas milhares de pessoas que circulam com a linha 330 num dia desses, ou numa noite dessas. Você sai pela sua rua, pela sua cidade, ou, sei lá... Pela sua vida. Quando de repente, por detrás de uma árvore, apareço eu.


Fazendo o retorno no ponto final da linha, no Campo dos Alemães.

Vamos aos fatos: ele apareceu em outubro de 2013 com a missão de, se aprovado, ser o parâmetro da compra substitutiva aos chamados "caveirões". Os mesmos 15 metros e a possibilidade de carregar mais de 101 corpos    a capacidade dos K270    com a praticidade do motor dianteiro e uma excelente desculpa para mandar o piso baixo à merda. O sonho foi minado tão depressa quanto os buseiros gostariam: a homologação da adaptação o segurou (ele estava previsto para julho daquele ano) e, posteriormente, o eixo direcional apresentou falhas (tanto neste quanto no da Piracicabreda). E lá foi ele de volta para a AHJ, conforme explicação do encarregado da empresa, Adriano Lopes (ver mais aqui):

"(...) está retornando para Caxias do Sul, para um reparo no eixo direcional, que está com problemas desde quando chegou. Foram feitas várias tentativas de sanar o problema por aqui, mas infelizmente sem êxito."

Como se já não fosse o suficiente ele ter ficado sem rodar nas férias    a 330 opera com ônibus convencionais nesse período    e o mês parado à força no RS, depois de voltar e passar mais alguns dias levando boneco, foi a vez da barra de direção. E, então, perdeu mais algumas semanas na garagem, no aguardo de manutenção.

No entanto, quando voltou... Foi para ficar. Depois de resolvido um outro problema que ninguém ficou sabendo: segundo um dos dois motoristas oficiais, a suspensão também passou por ajustes, indo do excesso de firmeza a uma maciez impensável para um dianteiro.

Absoluto... Mas também nem tanto assim. Se, por um lado, a mecânica se recuperou de uma devastação engenhosa, a carroceria não teve tempo suficiente para se acertar.

Um adendo: os pedidos de Adriano não foram atendidos quanto à fabricação deste carro. Ele costuma exigir um padrão de qualidade, que se reflete na excelente construção da maioria dos Torino de sua frota    rasguei elogios sobre um do último lote nesta postagem. Gurizada botou cachaça no mate enquanto o 3004 era fabricado, e me convenceu de que comprar essa joça, hoje em dia, ainda é loteria: corre-se o risco de levar uma merda para a garagem.


Aguardando horário de saída.

Lembrando que não se fabrica mais Torino em Caxias do Sul.

Maldição audível nas três viagens que fiz nele, acompanhado de Gabriel Alves, do Estação Regional. O trecho entre a via de acesso ao Campo dos Alemães e o ponto final da linha ainda estava sendo recapeado e, com isso, pegamos um trecho recheado de buracos. Passando por ali, era notável como a suspensão estava realmente macia (quem já passeou de F94 sabe do que falo); todavia, um quebra-quebra de balaústres e outras partes, e a impressão de que o salão de passageiros tinha se transformado em um campo de batalha. A cada buraco, um tiro    o som era similar a um mas, na verdade, era o elevador que não se continha mais. O próprio motorista disse estar cansado dele, e iria pedir a instalação de uma tala de borracha para abafar as porradas.

Alguém se lembra quando falei sobre condução econômica? Aqui também se aplicou, sem tirar o brilho do desempenho dos cinco canecos suecos. Rotações médias, força bem distribuída    não sobe parede com a segunda marcha como o F113; porém, não passa vergonha    e a média de 2.6 km/l, que é próxima ao que o protótipo de 13 metros obteve em testes pela SOUL, no RS. Lembrando que este tinha capacidade máxima de 18 toneladas (o 3004 aguenta 24).

Uma coisa: ele é silencioso demais. No áudio original, quase não se ouvia o motor: precisei, na edição, dar um aumento nos agudos e graves. Quem está do lado de fora ouve melhor o ronco; periga-se dizer que ele é mais silencioso que o K270    que já passou por aqui. O que você vai ouvir é uma operação tranquila, com as marchas sendo esticadas onde a via tinha espaço para desenvolver velocidade. Fácil, se lembrado que o motorista é um dos mesmos que dirigiu o articulado e o híbrido que foram colocados à prova na cidade em 2012.



Acabo de me lembrar de uma passagem do dia anterior: eu já estava em São José dos Campos, iria passar a noite lá. Na internet, fui surpreendido pela dona desta galeria. Conversamos cerca de uma hora, contei a ela sobre este carro, que só tinham dois como esse no Brasil e bébébé. Cheguei a pensar comigo: vai que, numa dessas, surge um trem desse passeando por lá (São Luiz, Maranhão)? 

Só que depois, pensei de novo. E de novo. Talvez não vá ter um trem desse passeando por lá; vão ser só esses dois para nunca mais. O próprio Expresso Maringá já adiantou que não apela mais para o F250 pastelão da AHL. E ninguém mais será tão tatu de fazer algo do tipo.

E até a próxima.

domingo, 7 de setembro de 2014

O frio da solidão

Saudamentos, meu caro. Desta vez, a história é um pouco diferente.

Tem-se visto muitos casos de suicídio, normalmente oriundos de depressão profunda causada por bullying ou outro dos milhões de possíveis fatores. Depressão tem, como uma de suas características, a tristeza profunda e quase insolúvel.

   Tá, piá, mas por que tá falando de tristeza? Vai se matar?! Não, peraí, segura na minha mão aqui, ó!

Esse circuito foi para desenhar o sentimento que permeou a viagem no carro desta postagem. Porém, o pensamento acabou indo longe muito antes    e até durante    do bate-volta que originou o áudio que segue anexo, e me fez divagar sobre a vida.

Aconteceu no começo da noite; ele ficou ali até, pelo menos, o início da madrugada.

Sentimento de golpe, que pode ser expressado tranquilamente por um acidente observado àquela noite: um Honda Fit cruzou a sinaleira, e o Papelpolo Torino não teve tempo e nem espaço hábeis para uma frenagem. Mas vamos lá:

28 de junho de 2014. Era dia de jogo do Brasil, parecia loucura viajar nele    já o fiz outra vez, portanto, mais que deduzia isso    porém, na verdade, nem era tanto assim. A cidade só parou na hora de a seleção entrar em campo, contra o Chile. Quer dizer, nem tanto: estava acompanhado de dois parceiros e mais alguns passageiros a bordo do 3037, o cobrador anunciou o gol do estrangeiro e todo mundo respondeu assim. E passar por aquela fila de Pluss e Torino estacionados, ver todo aquele pessoal de camisa e calça verde, dividido em dois quiosques da rodoviária velha, afim de ver o (que poderia ser o) fiasco canarinho, assim que o nosso passeio tinha acabado. Aquele passeio.

OBS: camisa e calça verde compõem o uniforme da empresa, não o da torcida.

O pensamento veio depois, bem depois, a partir do momento em que me dei por só. Estava com um cartão de passe emprestado, esperando os primeiros horários depois daquela palhaçada que se estendeu até os pênaltis. Passaram-se uma viagem em uma jamanta, algumas ligações e uma sensação atordoante. Pronto: estava sem absolutamente nada para fazer no "vilarejo" de São José dos Campos. Até mais ou menos meia-noite.

Peguei o primeiro ônibus que me lembrei que existia; sem saber, ao menos, se a linha tinha ponto final. Era a 323, em um dos Torino 2013. Dava também para ter um drops do 1721 novo, tendo em vista que só tinha tido impressões ruins dele, até então. Rodou relativamente vazio, mesmo tendo passado    aliás, a volta no entorno é enorme    pelo Shopping Colinas. Até pensei em descer e entrar lá para dar uma conferida, mas... O que se faz em um shopping?

Minutos depois, surge o Vale Sul. Mas o que se faz em um shopping, afinal?!

Fomos seguindo, recebendo e desovando passageiros distribuídos em casais e famílias. Um ambiente de programa popular, que desembocou em um lugar góspel: o Campo dos Alemães (ou, pelo menos, a região cruzada pelo itinerário da 323) é recheado de igrejas evangélicas. Destoava um pouco por ser sábado, o que resultava em vários grupos de amigos de pele escura bebendo cerveja, automóveis mandando ver no funk e moças vestidas para dar. 

As primeiras daquela noite.

Carro da linha 323 durante o dia.

As demais só foram aparecer na terceira e última viagem. Vamos à segunda: a 317, que vai do Campo dos Alemães, em nome do senhor Jesus, até a rodoviária nova, amém?!    sim, a 323 tem ponto final e fiquei cerca de 20 minutos parado, observando tudo aquilo lá. Aparece o 3172, que parecia ter vindo de uma das melhores fornadas de Torino da história deste país. 

Diz a lenda que isso acontece por quase toda a carroceria ser de metal: na contramão das encomendas de empresas normais, piso e paredes internas são de alumínio (no lugar de taraflex e fórmica, respectivamente). O exemplar em questão ainda tinha monitores gigantes que executavam um comercial de, aproximadamente, meio minuto. Não me recordo do anunciante, contudo, não dava para esquecer que tais monitores estavam firmes.

Como não haviam muitos passageiros, me dobrei à análise do 1721 que havia esquecido de fazer no outro, por delírio emocional. E me lembrei que tanto o primeiro quanto aquele alcançavam altas velocidades, com giro baixo e trocas seqüenciais de marcha, muito rapidamente    em suma, o grande barato do OF-1722 tinha desaparecido.

Todavia, fui informado, posteriormente, sobre a política de condução econômica adotada no Expresso Maringá. Não opera na base do corte de rotação, e sim no incentivo financeiro: o motorista que obtiver melhores números de bebedeira (km/l) recebe prêmios em dinheiro. Portanto, da mesma forma que os operadores dos O-500 têm liberdade de encher o pé, quem brinca com o blutecoteco 5 pode tranquilamente voar sem esticar, para (correr o risco de) faturar algum além do salário normal    que fica próximo dos dois mil reais.

Até havia me esquecido que estava sozinho, só que no fim da avenida Andrômeda tinha um Vale Sul. Ou teria um Vale Sul no fim da Andrômeda?! O importante é que não sei, ainda, o que diabos se faz em um shopping.


Depois de chegar à rodoviária nova e comer um baratississississississíssimo, ver mais gente chegando e saindo, decidi fazer o mesmo roteiro que havia feito antes no 3037. Já eram 22h30 e lá ia eu, no da foto aí em cima, partindo da rodoviária velha, visitar de novo o que seria o bairro mais bonito da cidade. 

A linha 315 cruza quase metade da área central, vai parar no Anel Viário, faz alguns retornos e sai na Andrômeda. De novo, de cara com o Vale Sul. Naquela parada foi que os 99 passageiros    37 sentados, 62 em pé    de lotação conseguiram se cumprir, efetivamente. Era horário de fechamento do shopping; por isso, o padron de 13 metros pareceu pequeno. Tinha gente de todo naipe: de funcionário de loja a andante, de preta cabeluda a albina, de headbanger a... 

   Mas piá, esse blog é pra falar de gente ou de ônibus?!

O que mostrava que a noite estava longe de acabar. Incluindo para as moças vestidas para dar, que, mesmo com seus namorados "boys" (talvez eles até preferissem assim), não faziam a menor cerimônia ao expor quase toda a extensão de suas pernas para o resto da platéia.

Tá, tudo isso e eu não sei até agora o que se faz em um shopping.

Passados alguns minutos, deixamos a Andrômeda para entrar em um ambiente bucólico, de estrada vicinal. No trecho, há rochedos e bosques. Ao chegar no bairro, o grande lago que o batiza    Interlagos. Ali, já em torno de 23h20, o 3038 começou seu trajeto de volta (a 315 é circular) com... 1 passageiro. Eu que, pra não voltar a pensar na vida, comecei a prestar atenção no carro.

Mas ninguém (em condições normais) gasta 15 minutos prestando atenção no comportamento de um objeto. Enquanto o frio da solidão corria lá fora, do lado de dentro tinha-se o calor do desreguladíssimo OM906, que berrava fino e com o grave "saindo pela tangente". A desgraça ficava completa com uma carroceria que se batia, reflexo do descaso de manutenção que a própria empresa teve que engolir, por não conseguir ter frota reserva    a prefeitura de São José dos Campos sempre "inventava" linha depois dos recálculos de frota. Ou seja, os Pluss O500 eram revisados à medida que isso dava pra ser feito; portanto, o 3038 fazia parte dos azarados. O 3037, não.

------------------------- BAIXE O ÁUDIO DO O-500 M AQUI -------------------------

Ao longo daqueles 15 minutos, comecei a me dar conta de que um momento como aquele nada mais é que o resumo de uma vida: não importa quantos amigos e nem quão próximos estiveram; isso não vai adiantar e, num dia desses... Numa noite dessas... Você vai se ver só.

E também me dei conta de outra coisa: preciso ver qual é o meu problema, porque ainda hoje, meses depois, não sei que caralhas se faz em um shopping.

E até a próxima.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

A viatura da mãe Joana

Saudamentos. Peço desculpa aos senhores por meus surtos de velhice; em vários momentos e temas, tenho me observado como conservador, reacionário e caretão. Hoje, o assunto é um chassi que certamente não agrada, nunca agradou e, pelo visto, jamais vai agradar a alguém. Nem aqui e nem na conchinchina. Porque buseiro, bozó ou similar gosta de potência, independente das dimensões e do contexto de operação do veículo; porém, não é só isso.

O O-500 R já chegou como uma espécie de "político": veio para ser alternativa ao "velho" (cujo nome de guerra é "O-400 RSE"), trazendo uma nova proposta (o motor OM906) e sendo criticado até não poder mais.

Veio ao Brasil em 2001, por meio deste espécime, e explodiu    chegou perto disso, literalmente    em 2002, com as lendárias joaninhas do tio Jelson. Fez sucesso do jeito errado, ganhou refrigeração, mudou o nome do motor e perdeu potência (305 cavalos no OM926, ante os 330 do O-500 M turbinado). Assim sendo, teve duas versões, e é a segunda que compõe o veículo deste artigo.

Viaggio 1050, com 42 lugares. Escalado, também, em linhas interestaduais para Santa Catarina.

Partindo de Pato Branco, rumo a Curitiba, três empresas fazem o trajeto.

Princesa dos Campos: comprou a linha da extinta Vale do Iguaçú (mais uma das milhões de cisões da família Cattani), operou por muito tempo com tocos e hoje apela para os novíssimos    e até anunciados nos jornais(!!!)    Paradiso LD. É a que mais dispõe de horários, e a única a operar a linha durante o dia, muito embora trate o passageiro com desdém. Via BR-158 e 277.

Cattani Sul: a Mrs. Catra das viações do sudoeste faz um horário, que roda ao longo da  madrugada, também pelas BR 158 e 277. Linha histórica da empresa, prefixo 2542, que conta com carros altos e refrigerados desde 1998 (estes aqui). Dispõe do serviço leito, algumas vezes por semana. É a única que oferece travesseiros e música a bordo.

Reunidas SA: é a que tomei para mim como a melhor. Opera o trecho há tempos, fazendo-o pela PR-280, que passa por cidades conhecidíssimas como Palmas (uma das mais frias do estado) e União da Vitória    a "ilha" em torno do rio Iguaçú que teve 40% de sua área alagada pelas chuvas de junho. É a única na qual o motorista saúda a todos e passa as devidas informações, no começo da viagem.

   Peraí, ô piá! Vai dar uma de piranha de ônibus, que nem fez com a Pluma?

Antes que pense que estou no ápice do meu espírito de bozó ao dizer que "a Reunidas é foda porque sim", saiba que já fiz a viagem pelas três empresas, parcial ou integralmente. Ela é foda porque oferece o ônibus mais divertido para se fazer a viagem, que é longa: chega-se a 8 horas rodando, contra cerca de 6h30 das concorrentes. E é a que mais entra em cidades, justamente porque quase não há povoados na rota que as outras operam.

Carro no qual fiz a viagem de ida (e o qual está o link do áudio ao longo da postagem).

Aí você vai dizer que sou louco, mas as oito horas em um Viaggio "sem" encosto de perna (o da minha poltrona estava deslocado para a esquerda) foram boas. Poltrona 42, banheiro à frente, cooler com bastante    e fresca, a viagem toda    água. O sujeito que estava na 41 conversou rapidamente comigo e dormiu, o que facilitou os trabalhos a fazer: a gravação e a interpretação da carroceria.

De tão acostumado a viajar de Paradiso 1200, o lado de dentro já é mais que familiar, à exceção da logomarca do SENAI nas cadeiras, padrão na Reunidas (na Pluma, é a já extinta Gazeta Mercantil). Era imperceptível a diferença de altura, pois 15 centímetros são praticamente nada, principalmente ao lembrar que boa parte da viagem ocorre sob a luz do luar    no caso, como o tempo estava nublado e chuvoso, breu puro e muita água condensada nas janelas.

Além do encosto fora de esquadro, a pontinha do maleiro de salão não parava de chiar, à medida que o motorista precisava enfiar nosso coitado nos buracos, em várias partes do trecho entre Vitorino e União da Vitória. Detalhe: ainda tinham ocorrido, à época (14 de junho de 2014), apenas as primeiras chuvas; vieram outras no fim daquele mês para terminar de acabar com tudo    e talvez por isso, na volta, a bordo disso aqui, a situação da rodovia tinha piorado. Voltando: a carroceria seguiu sem grandes problemas, e em momento algum mostrou fraqueza. Nem goteiras, diante da chuva intensa que caiu em metade do caminho. Nem o teto fazia barulho, como acontece na Geração 7.

Sobre o chassi: eu já tinha andado de O-500 R uma vez, em 2011. No entanto, em trecho urbano, e naquelas poltronas do meio. Não foi proveitoso, senão tirada a conclusão de que ele é feito para voar.

O 27217 é justamente o que eu precisava para ter certeza disso. Certo que o sapato do piloto tinha que ir lá embaixo, o OM926 tinha que cantar até as correias descambarem, mas, sim, esse tal de O-500 R é um demônio voador que arranca com gosto e tira altas velocidades com poucos metros. Chegamos a ultrapassar um Garssia na marginal da RMC. 

Não bastasse o grito, o som que emanava do assoalho era um misto de O-371 e K124, ainda que o motor fosse uma remontagem do que vai no O-500 M. Ou seja, parece sem identidade, e não sou o único que teve essa impressão.

----------------------- BAIXE O ÁUDIO DO O-500 R AQUI -----------------------

Ainda assim, é o que tenho para hoje. E, de novo, a lição ao meu amiguinho leitor: não subestime a potência de um propulsor. Digo "de novo", já que cheguei a "cantar essa bola" no ano passado.

E até a próxima.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Perdendo a mão

Saudamentos, caro leitor. Talvez nem exista mais, já que não escrevo nada pra cá há tempos. Talvez já tenha desanimado daqui. Muitos, de cara, nem se empolgam, ao se deparar com uma página de ônibus que quase não tem foto de ônibus.

Dizem que uma crítica é sempre válida, desde que seja ela uma catapulta que mire o progresso. Dizem, apenas. Vou fazê-la, então, já que estou disposto a isso, tendo em vista o momento atual. Se tiver paciência de ler até o final, vá com calma. Vou elencar cada ponto.

Ônibus antigo. Dado como velho, para um determinado público.

IDADE DA FROTA e avanço tecnológico: em primeiro lugar, porque é onde o passageiro mais dá pitaco. E o chamado "bozólogo" também.

Nem é o passageiro comum, pois, como disse em outra postagem, ele não se importa se o ônibus foi "feito em 1530" ou se "estreou amanhã". Só pára para ver se está limpo, ajeitado, se as cordinhas funcionam, a iluminação está acertada... E olhe lá.

Já cheguei a considerar que ônibus novo, na cidade dos outros, é refresco. Mas, às vezes, me pego a pensar que o errado sou eu. Que sou eu o velho ranzinza que resiste a mudanças, como a dos itinerários (lonas por DOTS    vulgo mosaico    e leds, ambos quais você pode ver melhor aqui) e a dos sistemas de bilhetagem.

No primeiro caso, pelo "esforço" que os operadores do carro fazem para acertá-lo. No edital de transporte urbano de São José dos Campos (SP), por exemplo, essa foi a desculpa dada para que todos os novos veículos tenham que abolir a lona, que, como sabemos, tem um único problema: entorta ou trava. Acontece, mesmo com manutenção    o que, em letreiros digitais, seria como a queima daquelas micro-lâmpadas. 

Falha mecânica é menos provável que eletrônica.

No segundo, as quedas nos sistemas informatizados e a impraticidade de viajar mais barato, que já comentei aqui.

   Como assim, dá pau nos cartão, piá?!

Sim. Embora o uso massivo do cartão dispense o trabalho de um cobrador    e os sindicatos já perderam a cabeça com isso    os usuários ficam à mercê de uma máquina que atrapalha o embarque (exemplo aqui), tem surtos de ladrão (desconta uma passagem, quando deveria descontar meia) ou, simplesmente, APAGA    e lá vai o motorista reiniciá-la, atrasando ainda mais a viagem. Isso quando não é o sistema informatizado dos cartões.

Ou seja, a operação com passes de papel é mais devagar; no entanto, dá a certeza de que funciona.

Há um terceiro caso, esse sim muito importante. Fabricantes de veículos em geral têm se preocupado em demasia, de uns anos pra cá, com aerodinâmica e leveza dos materiais. O que reflete diretamente na resistência desses novos ônibus, tão desejados pelos xaropes de plantão.

A carroceria Marcopolo G7, que é o modelo de contrato da FIFA, é bastante conhecida por ser de "papel", e também por não dar a devida prioridade ao motorista. Maleiros e vidros (especialmente os colados) praticamente se põem a "dançar" na carroceria, sem contar no verdadeiro telhado que se tem acima das poltronas. Algumas dessas falhas foram comentadas aqui; acreditei que a fabricante fosse dar um grew up no produto, mas... Me enganei. Só alguns mais velhos notam essas falhas; os jovens não estão nem aí.

Ônibus novo. Chama atenção do passageiro à primeira vista, mas mostra fragilidade.

Toda essa galera que pede frota zero km ainda costuma querer, de lambuja, passagens mais baratas (quando não, de graça), mais horários, guaraná, café, cerveja e salgado a bordo y otras cosas más. Pede não, EXIGE; vai às ruas acreditando que transporte público tem que ter dotes de transporte particular. E isso me lembra...

PASSE LIVRE: é essa a patota que quer tudo aquilo que citei acima, pontualidade britânica, ônibus na porta de casa com tapete vermelho e mais um pouco. Até mesmo que não tenha passageiro em pé.

O transporte coletivo urbano carrega gente por metro quadrado    aliás, gente, não: boneco, segundo a gíria dos motoristas em algumas cidades paulistas    e, por isso mesmo, em cidades onde se percorrem curtas e médias distâncias, a prioridade é por carros de fila única. Isto é, tem 35 lugares quando poderia ter 50. Ao revés, como nas capitais, mais lugar significa mais conforto.

Reajustes de tarifa passam por verdadeiros calvários. No ano passado, precisou encarar a fúria do povo.

Mas o povo não entendeu que a inflação voltou para ficar (e tem gente achando que não) e faz força para não entender que empresário não é dono de estatal. O governo brasileiro imprimiu cerca de 50 bilhões de reais nos últimos anos, resultando nessa ciranda aqui. Já entendeu o resto ou quer que desenhe?!

Não entendeu, também, que cada ônibus queimado é um prejuízo da ordem de 350 mil reais que, passado um tempo, vai ser colocado nos reajustes de passagem ou cortado do orçamento, resultando em baixa n'algum lugar. Nem que esse, tirado à força da frota, vai atrasar e aumentar o custo de vida dos passageiros daquela linha.

Fecha os olhos para o fato de algumas administrações simplesmente tentarem "podar" as operações de algumas viações    o exemplo fresco de Mauá é o mais próximo (e pesado) que tivemos    e que transporte público virou um negócio engolido pela política: se tem os "podados" é porque tem, também, os apadrinhados.

Ônibus ostentando a bandeira do Brasil, país que anda privilegiando o carro de passeio.
 
   Mas e aí, piá? Qual é a desculpa dessa gurizada do passe livre?

Discuti, há alguns meses, com uma ativista do movimento no RS. O que ela dizia é que o cidadão tupiniquim paga a tarifa duas vezes. E era só isso.

Não nego que isso seja verdade. De fato, ao trabalhar mais de cinco meses praticamente de graça, a sensação é essa. Todavia, não é só a volta na roleta que a gente paga duas vezes. TUDO se paga duas vezes, e qualquer um de nós tem a noção disso.

Nesse setor tão importante, as isenções fiscais de aplicação nacional chegaram tarde. Cada estado ou município tinha de se virar e arcar com parte dos custos, dando desconto no IPVA, por exemplo. Ou seja: até pouco tempo atrás, tinham que pagar, pelo menos, toda a tributação dos veículos, os encargos trabalhistas dos seus funcionários e imposto de renda. Igual a qualquer outro dono de frota    mesmo os Correios, uma estatal.

Mas tem gente mesquinha o suficiente pra pensar que o azar é do dono, já que "resolveu" ser dono. Mais mesquinha ainda em querer ajuda petista na compra de um automóvel particular, em detrimento à ajuda que o dono de viação não tem.

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Eu iria me alongar no assunto, mas acho que não vai servir para absolutamente nada. Vou encerrar deixando links pra ilustrar um pouco desses tópicos, e mostrar que não estou (de todo) errado.

Empresários de transporte com prejuízo e paralisia política

O amado, idolatrado e salve-salve que desmancha (1) 

O amado, idolatrado e salve-salve que desmancha (2)

O amado, idolatrado e salve-salve que desmancha (3)

A maior churrascada de Apache Vip já vista em todo o mundo

Os fatores da modernidade resultando nisto aqui

A lógica nos passes gratuitos e escolares

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E até a próxima.




terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Nuvem de lágrimas

Saudamentos, caro leitor. Desculpe-me se acha que fiquei muito tempo sem trazer nada, talvez não saiba o que é ficar preocupado ou demasiadamente entretido com últimos acontecimentos da própria vida. Mas já venho cumprir minha cota.

2014, ao que nos consta, é um ano de mudanças. Como sempre, no mundo dos transportes, pra pior. Editais que retiram mimos do passageiro, carrocerias que empurram tecnologia de ponta à força, mais empresas sendo engolidas pelas grandes cabeças, ampliação do domínio das pinturas minimalistas, enfim. Por o presente ser ruim e, o futuro, escabroso, o melhor que se tem a fazer é recordar. É o que vou fazer hoje. Aliás, parece que é a única coisa que consigo fazer decentemente.

OBSERVAÇÃO: se não gosta de ônibus urbano ou de fabricação anterior a 2013, pode parar por aqui. Seu lugar é no Ônibus Brasil.


Todos que me conhecem sabem de minha aversão a praias, e que vou às cidades que as têm a fim de ver o que aparece no transporte coletivo, unicamente. Também tenho horror a preços altos, lembrando que Ilhabela é "o paraíso dos porcos ricos"    lá estão as hospedarias mais caras de todo o litoral Norte paulista, pra compensar a mais requintada faixa costeira, as grandes trilhas no que sobrou da Mata Atlântica e o simples fato de se estar em um lugar isolado do continente.

Tive uma grande amiga, Flávia Mendes, que nasceu e viveu lá por muito tempo; ela própria me disse, em uma oportunidade, que Ilhabela era isso mesmo: um refúgio pra ricaiada nojenta.

    Ih, olha só, o piá lembrando daquela guria do passado... Pára com isso, cara!

Mas é mesmo pra recordar. E ela vem a calhar na conversa por ter sido uma das razões que me induziram a visitar aquele lugar (não a principal), ato que, dadas as circunstâncias acima, pra mim seria algo como dar um tiro no pé. Aquela, em dezembro de 2011, era a segunda vez.

A grande motivação era cerca de cinco exemplares do Vitória, sendo que quatro deles foram os últimos a puxar linha em praticamente toda a beirola marítima do estado de São Paulo. Dois ou três ajudaram a fechar a conta da empresa, que saiu de circulação dois meses depois, tendo brigado nas últimas semanas (via liminar) com a nova operadora a ponto de ter apelado até pra catraca livre.

Flávia tinha pensamentos no futuro; eu, no passado. Os olhos dela brilhavam perante o moderno; os meus, diante do clássico. E um tentava mostrar ao outro que o seu lado era melhor, com inúmeras discussões    e até brigas. Ela se foi e ninguém venceu; porém, valeu ter debatido com ela e reconhecido que o Vitória podia ser excelente, mas tinha alguma coisa de errado por ser antigo.


Àquele momento, andar de Vitória era uma coisa que eu já não fazia há mais de nove anos. Sim, aquela empresa ruim e sua mania de aposentar carros ainda muito jovens. Até tinham me chamado para o feito, em um dos conhecidíssimos articulados da Metra, no entanto acabei não indo por conta de outras prioridades. Deu Ilhabela na cabeça porque a passagem por lá era garantida.

Na verdade, fui sem esperanças de encontrá-los, pois tentaram me tapear no ano anterior (ver aqui): um dos fiscais da finada viação deu a entender que o espécime jamais apareceria pra mim. Estava pra embarcar no Torino 1318, afinal, mesma mecânica daqueles CAIO sangrentos que tanto andei na infância; pelo menos audivelmente a nostalgia estaria garantida. E eis que o próprio apareceu. Chegou com jeitinho e soltou todo mundo pela porta da frente    sim, o embarque por lá era traseiro, na época.

Como seria uma chance sem igual, fui com tudo. Ao entrar, notava-se que ele já estava ligeiramente desgastado, ao observar detalhes como os corrimãos das cadeiras de fibra, carcomidos pela maresia, e o painel frontal, todo descascado (todavia, ainda tendo legíveis nome da empresa e prefixo, estilizados, como na pintura), com um espelho ex-cromado similar ao que usavam no Gabriela. Pra fazer contraponto, o motorista era um sujeito jovem e haviam câmeras instaladas no teto do salão.

Salão aquele dotado de fila única à esquerda, que acabava se tornando o lado preferido de quem transportava carga nas viagens.

A crítica que minha amiga tinha em relação ao carro...

   Pô, piá, de novo?! Já se passaram dois anos! Hoje tu tá morando aí em Pato Branco, cheio de guria linda aí de zóio ni tu, e tu nessa ainda?! Ah, vá pro diabo...


... era justamente ele ser "tão velho e acabado", só que minha queixa foi outra, e ainda sem ser exclusiva desse Vitória em questão. Isso quer dizer que brigamos de novo. Não é bem isso: quem brigou fui eu, com o batente do vidro, pra não cair da cadeira lisíssima (desse modelo)    e sem apoio de braço    durante a condução na avenida Riachuelo, que, como já contei noutra vez, além de ser de pista simples, é recheada de curvas fechadíssimas, aclives e declives.

No áudio, o que vai ficar claro é que o motorista, por conta da velocidade baixa, precisa enfiar o pé a todo o momento. Marcha lenta pra subir, freio-motor pra descer. A missão é mais fácil em um ônibus moderno (tudo bem, Flávia, nisso você tinha razão), tanto que, hoje, Ilhabela é recheada de convencionais grandes    o que era um pensamento tresloucado, àquela altura, se lembrado o carro que fez um strike motociclístico.

Foi pouco mais de uma hora de um passeio pra matar a saudade. Difícil ter que esconder a felicidade do momento, olhar em volta e não se lembrar de quando se passava debaixo da roleta, de dona mamãe dizendo que sentar na última fila fazia o "bondão" embicar, entre outras coisas.


OBSERVAÇÕES: após encerrar os trabalhos, em março de 2012, apenas alguns dos veículos que compunham a frota da ilha foram encontrados. Parte dos Torino 1418 opera escolar em Foz do Iguaçú/PR, enquanto os micros Piá hoje rodam em Rio Grande/RS. O mais próximo que se chegou dos Vitória foi um dos dois Torino 1318, deles, mesmo, nada foi encontrado até o momento.

E até a próxima.